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Biografias não autorizadas à luz do Sistema Constitucional de 1988

Data: 19/03/2014 15:03

Autor: Felipe Amorim Reis

    Está tramitando no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.815 que visa a declarar a constitucionalidade das publicações de biografias não autorizadas previamente pela pessoa biografada e também propõe que a Corte dê a interpretação conforme a Constituição para afastar a necessidade de consentimento do biografado ou demais retratados para a publicação de obras literárias ou audiovisuais.
 
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    A Associação Nacional dos Editores de Livros, autora da referida Ação Direta, questiona a autorização prévia para a publicação de biografias, bem como a constitucionalidade dos artigos 20 e 21 do Código Civil brasileiro que prelecionam a possível proibição da publicação, exposição ou utilização da imagem da pessoa biografada que se destinarem a fim comercial. No mesmo sentido, o art. 21 do Código Civil, protege a intimidade da pessoa natural a declarando inviolável. 
 
    Logo, é inegável que, ao longo da história da humanidade, grande parte do conhecimento humano e científico fora alcançado em virtude da produção e criação de obras literárias, filosóficas e biográficas.
 
    A celeuma deste caso em julgamento na Suprema Corte brasileira se evidencia no choque de direitos fundamentais. Porquanto, a Constituição Federal como norma hierarquicamente superior e como fundamento de validade para as demais normas do sistema jurídico nacional assegura ao cidadão o direito à livre manifestação do pensamento, à livre manifestação artística e científica, vejamos:
 
    “Art. 5º IX. É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica, e de comunicação, independente de censura ou licença.”
 
    Todavia, é importante mencionar que, ainda que esteja assegurado pelo Texto Maior o exercício deste sagrado direito à livre expressão intelectual, o mesmo Texto Maior assegura o direito à intimidade, a proteção por danos morais, consoante previsto no inciso X do art.5º da Constituição Federal:
 
    Art. 5º X. São invioláveis, a intimidade, a vida privada, a honra, e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
 
    Os direitos fundamentais são no sistema constitucional em vigor ordem basilar do Estado Democrático de Direito. E no atual sistema constitucional brasileiro, possui como núcleo centralizador de toda regra normativa e de todo sistema constitucional o princípio universal, como valor, da dignidade da pessoa humana.
 
    Desta forma, não apenas o art. 5º e seus incisos da Constituição da República Federativa do Brasil tratam de direitos fundamentais, e sim todo o texto constitucional, por exemplo, quando se trata das garantias constitucionais dos contribuintes, como os princípios da legalidade, da anterioridade, da proibição do tributo com efeito de confisco.
 
    Com efeito, possui relação intrínseca com a democracia substancial no que diz respeito aos seus valores sociais como a liberdade de expressão, plasmado no Texto Maior.
 
    Pois, é através dos princípios e valores consagrados no Texto Constitucional, sob o núcleo da dignidade da pessoa humana, e da isonomia entre as pessoas, que se tem a aplicação pragmática do princípio democrático popular da livre manifestação de pensamento.
 
    Desta feita, temos de um lado o direito ao acesso à informação, a livre manifestação de pensamento, da criação de obras e de outro lado a proteção do direito à intimidade e da dignidade da pessoa humana biografada. Portanto, estamos diante de colisão entre direitos fundamentais regidos pelo sistema constitucional em vigor.
 
    Sobre o tema, Edilsom Pereira de Farias citado em artigo (1)  pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes preleciona que, 
 
    “Após analisar detidamente algumas manifestações de diferentes Cortes Constitucionais, ressalta que, na solução da colisão entre os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem, de um lado, e a liberdade de expressão e informação, de outro, os tribunais constitucionais têm partido da preferred position em abstrato dessa liberdade em razão de sua valoração como condição indispensável para o funcionamento de uma sociedade aberta".
 
    De qualquer sorte, continua Edilson Pereira, 
 
    “A aplicação dessa preferred position estaria submetida a certos requisitos: a) o público (assuntos ou sujeitos públicos) deve ser separado do privado (assuntos ou sujeitos privados), pois não se justifica a valoração referente da liberdade de expressão e de informação quando essa liberdade se referir ao âmbito inter privato dos assuntos ou sujeitos; b) o cumprimento do limite interno de veracidade (atitude diligente do comunicado no sentido de produzir uma notícia correta e honesta), pois a informação que revele manifesto desprezo pela verdade ou seja falsa perde a presunção que tem a seu favor.”
 
    Por outro lado, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já sedimentou o entendimento sobre o direito ao esquecimento de acusados e processados por crimes que fora amplamente divulgado pela imprensa televisiva e depois inocentados pela Justiça, conforme se depreende das recentes decisões dos Recursos Especiais n. 1.334.097 e  1.335.153. 
 
    Ademais, tendo em vista a unidade da Constituição, uma vez que não há hierarquia entre normas e princípios constitucionais, o intérprete deve fazer o uso da ponderação e da proporcionalidade para concluir adequadamente qual direito deve prevalecer no caso concreto.
 
    Em se tratando do uso da técnica da ponderação, o Professor Marcelo Lammy (2) , preleciona no sentido de que: 
 
    Diante da colisão de normas de mesma hierarquia, contemporâneas e de mesma generalidade, como são as normas constitucionais que instituem princípios (por exemplo, privacidade e direito de informação), apresentou-se novo campo de investigação: a necessidade de construir novo modelo de aplicação do Direito. Não é possível utilizar-se das tradicionais técnicas de exclusão das normas aplicáveis (que objetivam isolar uma única premissa maior aplicável). Todas devem ser aplicadas (todas as premissas maiores são pertinentes), pois têm a mesma relevância abstrata. Surge então a idéia da ponderação, de se estabelecer não uma exclusão, mas apenas a prevalência no caso de algum comando sem que os demais sejam eliminados, também realizados. A ponderação é, portanto, uma nova técnica interpretativa e decisória que se apresenta para a construção de soluções jurídicas concretas, em situações específicas: diante de conflitos normativos que envolvam valores ou opções políticas em tensão, insuperáveis pelos mecanismos hermenêuticos tradicionais.
 
    Nestes termos, a publicação das biografias não autorizadas devem ser declaradas constitucional pela Suprema Corte, pois, em caso de colisão de direitos fundamentais e violações de direitos das pessoas biografadas,  estas devem–se socorrer ao Poder Judiciário para resguardar seus direitos.
 
    Com efeito, a criação de biografia não autorizada que vilipendiar o direito e a imagem da pessoa biografada, esta possui todo o ordenamento jurídico para tutelar seus direitos, tanto na área cível, quanto na área criminal, podendo até requerer a proibição da publicação ofensiva, bem como eventuais indenizações, consoante disposto no Código Civil pátrio.
 
    A guisa de todo o exposto, conclui-se que de acordo com a interpretação conforme a Constituição Federal, a publicação de biografias condicionadas à prévia autorização constitui prévia censura em pleno estado democrático de direito, bem como retrocesso manifestamente inconstitucional por violar o sagrado direito da livre manifestação de pensamento, do direito da informação, da livre produção artística e todas as conquistas democráticas alcançadas pela sociedade brasileira.
 
___________________
(1) GILMAR FERREIRA MENDES. COLISÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS ANOTAÇÕES A PROPÓSITO DA OBRA DE EDILSON PEREIRA DE FARIAS Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 18 | p. 388 | Jan / 1997 | DTR\1997\113. P. 4.
 
(2) Professor Dr. Marcelo Lammy. Teoria da Hermenêutica Constitucional – Conceitos estruturantes. P. 32.
 
 
Felipe Amorim Reis é advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, pós-graduado em Direito Constitucional pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso e Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MT.
 
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